Cristo na História

O silêncio da história acerca da existência de Cristo

 

De Jesus Cristo – pessoa, ser humano – a historia não conservou documento algum, prova alguma, a mais insignificante demonstração.

Cristo não escreveu coisa alguma. Falou-se de uma pretensa carta ao rei Abgaro, mas está demostrado que foi uma piedosa fraude.

Origenes e Santo Agostinho declararam por modo formal que Cristo escreveu coisa alguma.

Também Socrates, é certo, nada escreveu, limitando-se a ensinar oralmente. Mas entre Cristo e Socrates há três diferenças capitais: a primeira é que Socrates não ensinou nada que não fosse racional, ou para melhor dizer, humano, enquanto que Cristo tem bem pouco de humano, e esse pouco ainda mistura com muito de milagroso; a segunda deriva de que Socrates passou à historia somente como pessoa natural, enquanto que Cristo nasceu e foi conhecido como pessoa sobrenatural; a terceira, enfim, baseia-se em que Socrates teve discípulos, pessoas históricas cuja existência é palmar – como Xenofonte, Aristipo, Euclides, Fedon, Esquino e o divino Platão – ao passo que dos discípulos de Cristo nenhum é conhecido, a não ser pelos suspeitos documentos da fé, como sucede com o seu mestre.

De sorte que, do facto de que Socrates não tenha deixado coisa alguma escrita, não pode deduzir-se que não tenha existido; pelo contrário, é legitimamente permitido admitir, ao menos a titulo de presunção, que Cristo, que viveu cinco séculos depois, coisa alguma deixou escrito.

Mas há mais: Cristo, não só não deixou escrito algum, como nem uma só linha, sequer, se escreveu a seu respeito.

A parte da Bíblia – que, segundo veremos, alem de não apresentar prova alguma de que Cristo tenha realmente sido uma pessoa, prova exactamente o contrário – nenhum autor profano, dos muitos que foram contemporâneos de Jesus, nos fala dele.

Os únicos autores profanos que falaram em seu nome – Flavio José, Tácito, Suectonio e Plínio – ou foram emendados ou falsificados, como os dois primeiros, ou, como os outros dois, falaram de Cristo só etimológicamente, para designar a superstição que tomou o seu nome, ou os sequazes da mesma; e, como quem quer que seja, escreveram sem tê-lo conhecido e sem garantir a sua existência, muito tempo depois, e por tal forma, que como demonstraremos, melhor servem para provar que, nunca existiu.

Ernesto Renan, o maior dos cristólogos, que cometeu o erro de fazer a sua vie de Jesus uma biografia, quando só é um romance habilmente escrito, vê-se forçado a reconhecer o silêncio da história em torno do seu herói.

« – Os países gregos e romanos, diz Renam, não ouviram falar dele; o seu nome não aparece nos autores profanos até um século depois, e ainda indirectamente, a propósito dos movimentos sediciosos provocados pelas suas doutrinas, ou das perseguições de que foram objecto os seus discípulos. No próprio seio do judaísmo Jesus não deixou impressão duradoura. Filon, morto no ano 50, nada sabe dele. Josefo, nascido no ano 37 e que escreveu até fins do século, fala da sua condenação em algumas linhas[1] como um acontecimento vulgar, e, ao enumerar as seitas do seu tempo, omite a dos Cristãos. A Mischna não encerra rasto algum da nova escola; os personagens dos dois Gemasos, como se qualifica o fundador do Cristianismo, não nos levam mais além do quarto ou quinto século.»[2]

Um escritor hebreu, Justo de Tiberiades, que tinha composto uma história dos hebreus desde Moisés até fins do ano 50 da era Cristã, não cita, sequer, o nome de Jesus Cristo, segundo atesta Focio Juvenal, que fustigou com a sátira as superstições do seu tempo, fala extensivamente dos hebreus, mas nem uma só palavra diz dos Cristãos, como se não existissem.[3]

Plutarco, nascido cinquenta anos depois de Jesus Cristo, historiador eminente e consciencioso, que não podia ter ignorado a existência de Cristo e dos factos da sua vida, nem uma só passagem cita nas suas numerosas obras, que faça a mais leve alusão seja ao mestre da nova seita, seja aos seus discípulos. César Cantu, a quem a crença mais cega, indigna de um historiador, tapa os olhos com tão espesso véu, que chega a mesclar com factos históricos as mais absurdas invenções do Cristianismo, desilusionado na sua fé pelo silêncio de Plutarco, consola-se dizendo que «Plutarco é sincero na crença dos seus nomes, como se alguma voz houvesse ameaçado os altares…, e em tantas quantas obras de moral escreve, nunca dedica uma palavra aos cristãos.»[4]

Séneca, que, pelos seus escritos cheios de máximas perfeitamente cristãs, faz acreditar que tenha sido cristão ou tenha tido relações com os discipulos de Cristo, no seu livro sobre as superstições extraviado ou destruído, mas dado a conhecer por Santo Agostinho, não diz uma palavra acerca de Cristo, e, falando dos Cristão, já aparecidos em muitas partes da terra, não os distingue dos hebreus, aos quais chama raça abominável.[5]

Mas, sobre todos, o que é mais decisivo é o silêncio de Filon acerca de Jesus Cristo.

Filon, que contaria já 25 a 30 anos quando, dizem, nasceu Cristo e que morreu alguns anos depois dele, nada sabe, nada diz a seu respeito!

Como escritor doutíssimo, ocupou-se especialmente de estudos de filosofia e religião, e não teria certamente esquecido Jesus, seu compatriota de origem, se Jesus tivesse realmente aparecido sobre a face da terra e levado a cabo uma tão grande revolução do espirito humano.

Uma circunstancia de altíssima importância torna ainda mais eloquente o silêncio de Filon em torno de Jesus Cristo: é a de que todas as lições de Filon podem passar por cristãs, de tal sorte, que Havet não hesitou em chamar Filon um verdadeiro Padre da Igreja.

Filon por outro lado, preocupou-se com especialidade de fundir o judaísmo com o helenismo, tomando do antigo testamento as partes mais salientes, depois de distinguir o sentido alegórico do literal, e enxertando na arvore da religião hebraica o misticismo dos neoplatônicos alexandrinos. Desta forma, chegou a formar-se uma doutrina platónica do Verbo ou Logos que tem muita afinidade com a do IV Evangelho e na qual o Logos é precisamente Cristo.

Não é, verdadeiramente, uma grande revelação esta circunstancia?

Filon, que vive no tempo de Cristo, que é já celebre antes que ele nascesse e que morre vários anos depois de Cristo; Filon, que realiza no judaísmo a mesma, idêntica transformação, helenização, ou platonização que os Evangelhos, especialmente o IV; Filon que fala do Logos ou do Verbo na mesma forma que esse mesmo Evangelho, como é que nem uma só vez fala de Jesus Cristo em nenhuma das suas numerosas obras?

Não prova este facto eloquentíssimo, que Jesus Cristo não foi pessoa histórica e real, mas pura invenção ou criação mitológica ou metafísica, para a qual contribuiu mais que outra qualquer pessoa o mesmo Filon, que escreve como se fora um cristão sem saber coisa alguma de tal nome, que fala do Verbo sem conhecer Cristo, que ensina a mesma doutrina atribuída a Cristo, como em seu lugar demonstraremos?

Se Filon pode falar do Verbo e escrever como um cristão, antes de Cristo, sem nada saber, sem nada dizer dele, não indica isto que o Cristianismo se elaborou sem Jesus e por obra precisamente, ou principalmente, de Filon mesmo, que não diga uma só palavra da existência humana, da existência material e histórica de Jesus Cristo?

Está, pois, demonstrado que Cristo não existiu; porque, de contrário, como explicar a incompreensível anomalia de que Filon não fale dele?

Acresce, porém, que Filon, o Platão hebreu, alexandrino, contemporâneo de Cristo, fala de todos os acontecimentos e de todas as personagens principais do seu tempo e do seu país sem olvidar Pilatos; conhece e descreve os Esenos, estabelecidos perto de Jerusalém, nas margens do Jordão; foi, em conclusão, como delegado a Roma para defender os hebreus no tempo de Caligula, o que faz supor nele um conhecimento exacto das coisas e nomes da sua nação; de modo que se Jesus tivesse existido, Filon ter-se-ia visto absolutamente obrigado a falar dele.

O silêncio de todos os escritores contemporâneos acerca de Jesus Cristo, tem sido nestes últimos tempos objecto da mais atenta consideração por parte da verdade histórica, embora os escritores liberais tenham passado por ela ao de leve e com sobrada frieza.

Salvador explica o fenómeno facilmente (é o termo que emprega!) apoiando-se no facto dos débeis vestígios deixados em Jerusalém pelo filho de Maria[6]. O próprio Stefanoni não pode explica-lo sem reduzir o nascimento de Cristo e a sua vida inteira a proporções por demais mesquinhas, circunscritas nos limites de um vulgaríssimo sucesso.[7]

Esta explicação é inadmissível. Nós não conhecemos mais que um só Jesus, o dos Evangelhos e dos Actos dos Apóstolos. E este personagem não só não devia ter deixado débil rasto da sua passagem em Jerusalém, contra o que pretende Salvador; não só a sua vida não devia ter tido proporções mesquinhas, em oposição ao que diz Stefanoni, mas pelo contrário, a vida de Cristo devia, segundo a Bíblia, ter-se desenrolado e passado pelo modo mais ruidoso e extraordinário, tanto mais que como nenhuma outra pessoa humana se deu semelhante fenómeno.

Assim é, que a sua vida devia ter dado lugar a tumultos públicos, a uma prisão, a um processo, a um drama judicial seguido de uma morte trágica; e deviam ter-se realizado tantos e tais prodígios e tão extraordinários – desde a visita dos anjos até às estrelas que na sua marcha indicaram o lugar do seu nascimento aos soberanos vindos da Ásia expressamente para visita-lo; desde a hecatombe dos inocentes, até às discussões que sustentou com os doutores aos doze anos; desde a multiplicação dos pães e transformação da agua em vinho, até à cura dos enfermos e a ressurreição dos mortos; desde o domínio exercido sobre os elementos, até às trevas e aos terramotos que assinalaram a sua morte, até à sua própria ressurreição – que teriam chamado a atenção das pessoas ainda as mais indiferentes, e excitado a curiosidade dos cronistas, dos analistas e dos historiógrafos.

Ante personagem tão extraordinário e tais acontecimentos, o silêncio da história é absolutamente inexplicável, inverosímil e singularissimo como judiciosamente notou A. Dide.[8]

Este silêncio constitui, necessariamente, uma grande presunção contra a existência histórica e real de Jesus Cristo.

Outros elementos de juízo nos provarão como só a inexistência de Cristo pode explicar o silêncio da história em torno dele e como esse silêncio demonstra essa inexistência.

O mesmo silêncio da história a respeito de Jesus revela-se também a respeito dos apóstolos, acerca dos quais não existem outros documentos, que os eclesiásticos, destituidos de todo o valor de prova, pois apresentam-no-los, não como homens naturais, mas como personagens sobrenaturais, ou pelo menos taumaturgos, o que vem a ser a mesma coisa.[9]

Os únicos factos históricos que se atribuem aos apóstolos, como são a viagem de São Pedro a Roma e as suas discussões com Simão Mago, o encontro de São Pedro com Jesus e o famoso Quo vadis, Domine? A morte de São Pedro, e outros, são narrados exclusivamente, em livros declarados apócrifos pela própria Igreja.

Outro tanto pode afirmar-se de José e de Maria, progenitores de Cristo, de seus irmãos e de toda a família.

E todas estas circunstâncias aumentam a significação do silêncio da história em torno de Jesus Cristo, e adquirirão todo o seu valor, quando se veja que Cristo, Maria e os Apóstolos são puras invenções Místicas.

 


[1] Que o mesmo Renan anota para advertir que esta passagem de Josefo foi alterada por mão cristã. Não foi alterada, foi emendada como veremos.

[2] Renan – Vie de Jesus – cap. XXVIII.

[3] Stefanoni – Dicionário Filosófico – palavra Jesus

[4] César Cantu – História Universal – Época VI – Parte II.

[5] Ernesto Havet – «Le Cristianisme et ses origenes L

[6] Salvador – Jesus Christ et as doctrine – Tomo I Livro II.

[7] Luiz Stefanoni – Lugar citado. Além disso, na História critica da superstição – Vol. II cap. I.

[8] A. Dide – La fin des religions – Paris – Flammarion, pag. 55.

[9] Emilio Ferrière, no seu livro Les Apôtres demonstra a impossibilidade de que São Pedro tivesse estado em Roma facto desmentido também pelo silêncio, a tal respeito, dos mais antigos escritores da Igreja até à segunda metade do século IV, embora Ferrière tenha cometido o equivoco de tomar como origem histórica os Actos dos apóstolos, como se as poucas notícias que eles oferecem fossem certas.

Combate anti-religioso

A instauração da igualdade económica e social depende muito, de uma luta contra as crenças e concepções de carácter religioso. Os anarquistas, em geral, consideram-na como um factor fundamental e uma expressão relevante da alienação social, com raízes profundas no ser humano, dos quais se destaca, o medo da morte.
Manifesta uma visão superficial do fenómeno religioso, o pensar-se que a religião e o seu derivado, o Poder, se extinguirão com uma mera transformação económica da vida. Considerando a exploração económica como uma manifestação das relações de dominação, e estas como algo cujo fundamento último reside no espírito religioso, encarando sob todas as suas formas, podemos dizer que a luta anti-religiosa é uma condição indispensável da desalienação social, ou melhor, uma condição fundamental da instauração de um meio social baseado na igualdade social e na liberdade individual. Lutando contra as crenças em “seres superiores”, celestes ou terrestres, lutando contra todas as entidades divinizadas, imaginárias ou não, e também contra as estruturas mentais e as formas de pensar que derivam dessas crenças, atacando, por conseguinte, a base de sustentação do Poder, o anarquistas são os únicos que lutam coerente e consequentemente pela liberdade e igualdade.
Se bem que a luta contra as religiões tradicionais não seja um combate ultrapassado ou desactualizado, como o provam, por exemplo, a influência crescente dos vários fundamentalismos religiosos e o papel que diversas igrejas, inclusive a católica, têm desempenhado nas carnificinas que têm ocorrido na ex-URSS e na ex- Jugoslávia, não se deve descurar, de forma nenhuma, a luta contra as novas formas do espírito religioso. Os anarquistas combatem todos os comportamentos equiparáveis às atitudes dos crentes das religiões tradicionais, por exemplo, o acto de votar, que constitui uma ilusória participação dos cidadãos na gestão da sociedade democrático-capitalista, e a passividade dos consumidores das mentiras mercantis e estatais das chamadas sociedades de consumo. Para nós, o espectáculo a que se referem frequentemente os situacionistas, não passa de um espectáculo religioso, como o reconheceu o próprio Guy Débord, principal teórico da internacional situacionista, ao ter afirmado que o espectáculo era, afinal, o Poder.
Em suma, a atitude específica dos anarquista face à religião expressa o carácter anti-estatal, anti-político, social, do combate que travam. Contrariamente aos marxistas, para quem o poder dito proletário é o instrumento da libertação dos explorados e o Estado é o agente da sua própria extinção, os anarquistas procuram pôr em causa os verdadeiros fundamentos da exploração, em particular, e das relações de dominação, em geral. Por esta razão, os anarquistas são os únicos que lutam coerente e consequentemente contra a religião, considerada sob todas as suas formas, sob todos os seus aspectos. A referida coerência deixaria de existir se os anarquistas passassem a ter preocupações eleitorais, por exemplo. Neste caso, não poderiam, como é óbvio, desprezar os votos dos católicos.
Constituindo um processo no qual os seres humanos se reapropriam das suas melhores qualidades, que eles separaram de si próprios ao atribuí-las como dádivas do “supremo arquitecto”, e não como algo próprio, a desalienação religiosa dignifica os indivíduos humanos e origina uma elevação do seu nível moral. É importante compreender-se que a luta anti-religiosa é, concomitantemente, uma luta por uma moral elevada, uma moral materialista, libertária, uma moral sem obrigações nem sanções. É fundamental ter-se presente que foi e é em nome de Deus e de outras abstracções sacralizadas (Pátria, Nação, Proletariado) que se cometeram e cometem os crimes mais hediondos. Na realidade, só indivíduos livres, ateus, responsáveis e possuidores de uma vontade própria, indivíduos cujo comportamento social não é determinado por qualquer tipo de coacção religiosa, mas sim por sentimentos éticos que lhe são imanentes, são insusceptíveis de se tornarem instrumentos ferozes do Poder, autênticas máquinas de matar. Assim, é lamentável que alguns libertários não assumam uma atitude crítica face a movimentos “revolucionários” em que é notória a influência da teologia dita de libertação.
Interessa ainda salientar que, na área do globo em que nos encontramos (hemisfério norte), um dos objectivos primordiais do combate anti-religioso é a desmistificação daquilo que constitui o suporte fundamental da igreja católica. É importante ter-se presente que esta burla goza uma aceitação generalizada em vastas áreas do globo. Inclusive um número considerável de ateus, não só não duvida da existência histórica de Jesus Cristo, mas também não põem em causa certos aspectos fundamentais desta imagem mítica.

Estatutos da AIT

I – INTRODUÇÃO

A luta secular entre explorados e exploradores adquiriu uma amplitude ameaçadora. O Capital, omnipotente, levanta novamente a sua cabeça monstruosa. Apesar das lutas intestinas que dilaceram a burguesia e o capitalismo cosmopolitas, estes encontram-se, actualmente, em magníficas condições de relacionamento, as quais lhes hão-de permitir lançarem-se com uma maior unidade e uma maior força sobre o proletariado, a fim de o submeterem ao carro triunfante do Capital.

O capitalismo organiza-se, e, da situação de defesa em que se encontrava, lança-se agora numa ofensiva, em todas as frentes, sobre a classe trabalhadora. Esta ofensiva tem a sua origem profunda em causas bem concretas: na confusão de ideias e princípios que existe nas fileiras do movimento operário, na falta de clareza e de coesão acerca das finalidades actuais e futuras da classe operária, e na divisão em inumeráveis sectores; numa palavra, na debilidade e desorganização do movimento operário.

Contra este ataque cerrado e internacional de toda a espécie de exploradores, apenas um procedimento é possível: a imediata organização da classe operária num organismo de luta que acolha no seu seio todos os trabalhadores revolucionários de todos os países, constituindo assim um bloco granítico contra o qual chocarão todas as manobras capitalistas, as quais, por fim, acabarão por ser esmagadas pela própria força do seu enorme peso.

Este movimento de emancipação não pode aceitar as linhas de conduta indicadas pelas tendências do movimento dos trabalhadores que aspiram à harmonia entre o capital e o trabalho, desejando uma paz internacional com o capitalismo e incorporando-se no Estado burguês. Tão pouco pode aceitar as tendências que propagam os princípios da ditadura do proletariado, contrários à finalidade da maior liberdade e do bem-estar para todos, pois é este o objectivo de todos os trabalhadores conscientes.

Contra a ofensiva do capital e contra os políticos de todas as espécies, os trabalhadores revolucionários do mundo inteiro devem pôr de pé uma verdadeira Associação Internacional dos Trabalhadores, na qual cada membro esteja consciente de que a emancipação da classe trabalhadora não será possível enquanto os próprios trabalhadores não consigam, na sua qualidade de produtores, e através das suas organizações económicas, preparar-se para a tomada de posse das terras e das fábricas e tornarem-se capazes de as administrar em comum, de modo a estarem em condições de poder continuar a produção e assegurar toda a vida social.

Com esta perspectiva e esta finalidade diante de nós, o nosso dever de trabalhadores consiste em participarmos em todas as acções que impliquem objectivos de transformação social, sempre com a intenção de nos aproximarmos da realização dos nossos próprios fins; fazendo sentir, nessa participação, o peso da nossa própria força, esforçando-nos por fornecer ao nosso movimento, para a propaganda e a organização, os meios necessários que lhe permitam substituir-se aos seus adversários. De igual modo, em todas as situações em que tal seja possível, há que pôr em prática o nosso modelo a título de modelo e de exemplo, devendo as nossas organizações, dentro das suas possibilidades, exercer a máxima influência possível sobre as outras tendências, com o fim de incorporá-las na nossa própria acção, isto é, na luta comum, contra todos os adversários estatais e capitalistas, não deixando de ter sempre em conta as circunstâncias de lugar e de tempo, mas conservando, no entanto, os objectivos do movimento emancipador dos trabalhadores.

II – OS PRINCÍPIOS DO SINDICALISMO REVOLUCIONÁRIO

1. O sindicalismo revolucionário, baseando-se na luta de classes, tende para a união de todos os trabalhadores através de organizações económicas e de combate que lutem pela sua libertação do duplo jugo do Capital e do Estado. A sua finalidade consiste na reorganização da vida social, com base no Comunismo Libertário e mediante a própria acção revolucionária da classe trabalhadora. Considerando que apenas as organizações económicas do proletariado são capazes de alcançar este objectivo, o sindicalismo revolucionário dirige-se aos trabalhadores, na sua qualidade de produtores e de criadores de riquezas sociais, para neles germinar e se desenvolver, opondo-se, assim, aos modernos partidos operários, os quais considera sem capacidade para uma reorganização económica da sociedade.

2. O sindicalismo revolucionário é inimigo irreconciliável de todo o monopólio económico e social, e tende para a sua abolição através da implantação de comunas económicas e de órgãos administrativos geridos pelos trabalhadores dos campos e das fábricas, formando um sistema de conselhos livres, sem estarem subordinados nem a qualquer tipo de poder nem a qualquer partido político. O sindicalismo revolucionário ergue, contra a política do estado e dos partidos, a organização económica do trabalho, e ao governo do homem pelo homem opõe a gestão administrativa das coisas. Por conseguinte, não é sua finalidade a conquista dos poderes políticos, mas sim a abolição de toda a função estatal na vida da sociedade. O sindicalismo revolucionário considera que, com o desaparecimento do monopólio da propriedade, deve também desaparecer o monopólio da dominação, e que toda a forma de Estado, tenha ela a cor que tiver, nunca poderá ser um instrumento de libertação humana, antes pelo contrário, sempre será criadora de novos monopólios e de novos privilégios.

3. O sindicalismo revolucionário tem uma dupla função a cumprir: por um lado, prosseguir a luta revolucionária quotidiana, cujo objectivo é o de melhorar as condições económicas, sociais e intelectuais da classe trabalhadora, dentro dos limites da sociedade actual; por outro lado, a de educar as massas, tornando-as capazes tanto de uma gestão independente no processo de produção e de distribuição, como de uma tomada de posse de todos os elementos da vida social. O sindicalismo revolucionário não aceita que a organização de um sistema social totalmente apoiado no produtor possa ser regulamentada por meros decretos governamentais; afirma, sim, que essa organização apenas poderá ser realizada através da acção comum de todos os trabalhadores, manuais e intelectuais, em cada ramo de indústria, através de uma gestão feita pelos próprios trabalhadores nos locais de trabalho, de modo a que cada agrupamento (fábrica ou ramo de indústria) seja um membro autónomo dentro do organismo económico geral, organizando a produção e a distribuição segundo um plano determinado por meio de acordos mútuos que tenham em vista os interesses da comunidade.

4. O sindicalismo revolucionário opõe-se a todas as tendências de organização inspiradas no centralismo do Estado e da Igreja, uma vez que apenas servem para prolongar a própria vida do Estado e da autoridade e para sufocar sistematicamente o espírito de iniciativa e de independência de pensamento. O centralismo é a organização artificial que submete os chamados órgãos de base aos chamados órgãos de cúpula, colocando nas mãos de uma minoria a regulamentação de assuntos que dizem respeito a toda a comunidade, e transformando o indivíduo num autómato cujos gestos e movimentos são dirigidos. Na organização centralista, os valores da sociedade são submetidos aos interesses de apenas alguns, a variedade é substituída pela uniformidade, a responsabilidade pessoal por uma disciplina unânime. É por esta razão que o sindicalismo revolucionário assenta a sua concepção social numa ampla organização federalista, isto é, numa organização construída de baixo para cima, na união de todas as forças a partir de ideias e de interesses comuns.

5. O sindicalismo revolucionário recusa toda a actividade parlamentar e toda a colaboração com os órgãos legislativos, pois entende que nem mesmo o mais livre sufrágio poderá eliminar as evidentes contradições existentes no seio da sociedade actual, e que o sistema parlamentar apenas tem um único objectivo: o de dar uma aparência de direito ao reino da mentira e das injustiças sociais.

6. O sindicalismo revolucionário recusa todas as fronteiras políticas e nacionais, arbitrariamente criadas, e declara que o chamado nacionalismo não passa da religião do Estado moderno, por detrás da qual se encobrem os interesses materiais das classes possidentes. O sindicalismo revolucionário não reconhece outras diferenças senão as de carácter económico, regionais ou nacionais, e reclama para todo o agrupamento humano o direito a uma autodeterminação acordada, solidariamente, entre todas as outras associações do mesmo género.

7. É por idênticas razões que o sindicalismo revolucionário combate o militarismo e a guerra. O sindicalismo revolucionário recomenda a propaganda contra a guerra e a substituição dos exércitos permanentes, que são instrumentos da contra-revolução ao serviço do capitalismo, por milícias operárias, as quais durante a revolução, serão controladas pelos sindicatos operários; e exige, para além disso, o boicote e o embargo de todas as matérias-primas e produtos necessários para a guerra, exceptuando casos em que se trate de um país onde os trabalhadores estejam a fazer uma revolução de tipo social, já que, em tal situação, há que ajudá-los na defesa dessa revolução. Por último, o sindicalismo revolucionário recomenda também a greve geral preventiva e revolucionária como meio de acção contra a guerra e o militarismo.

8. O sindicalismo revolucionário reconhece a necessidade de organizar a produção de forma a não causar danos ao meio ambiente, reduzindo ao mínimo a utilização de recursos não renováveis, utilizando, sempre que possível, alternativas renováveis. O sindicalismo revolucionário identifica a procura do lucro, e não a ignorância, como a causa da actual crise do meio ambiente. A produção capitalista, para sobreviver, procura sempre conseguir lucros cada vez mais elevados, através da minimização dos custos, sendo incapaz de proteger o meio ambiente. Concretamente, a crise mundial da dívida externa acelerou a tendência para a produção agrícola comercial, em detrimento da agricultura de subsistência, o que provocou a destruição das selvas tropicais, a fome, as doenças. A luta para salvar o nosso planeta e a luta pela destruição do capitalismo ou são conjuntas ou fracassarão ambas.

9. O sindicalismo revolucionário afirma-se partidário da acção directa, e sustém e impulsiona todas as lutas que não estejam em contradição com as suas próprias finalidades. Os seus métodos de luta são: a greve, o boicote, a sabotagem, etc.. A acção directa encontra a sua mais profunda expressão na greve geral, a qual deve ser, do ponto de vista do sindicalismo revolucionário, o prelúdio da revolução social.

10. Inimigo de toda a violência organizada, seja por que tipo de governo for, o sindicalismo revolucionário tem em conta que, durante as lutas decisivas entre o capitalismo de hoje e o comunismo livre de amanhã, se produzirão violentíssimos confrontos. Por conseguinte, aceita a violência que se possa usar como meio de defesa contra os métodos violentos que as classes dominantes hão-de pôr em prática, quando o povo revolucionário lutar pela expropriação das terras e dos meios de produção. Como esta expropriação só poderá ser iniciada e levada a cabo através da intervenção directa das organizações económicas revolucionárias dos trabalhadores, a defesa da revolução deve igualmente encontrar-se nas mãos dos organismos económicos e não nas mãos de uma organização militar, ou semelhante, que se desenvolva à margem deles.

11. É unicamente nas organizações económicas e revolucionárias da classe trabalhadora que se encontra a força capaz de realizar a sua libertação e a energia criadora para a reorganização da sociedade com base no comunismo libertário.

III – NOME DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL

A união internacional de luta e de solidariedade que une as organizações sindicalistas revolucionárias do mundo inteiro chama-se Associação Internacional dos Trabalhadores (A.I.T.).

IV – FINS E OBJECTIVOS DA A.I.T.

A A.I.T. tem os seguintes objectivos:

a) Organizar e apoiar a luta revolucionária em todos os países, com o fim de destruir definitivamente os regimes políticos e económicos actuais e estabelecer o Comunismo Libertário.

b) Dar às organizações económicas sindicais uma base nacional e industrial; onde isto já se verifique, fortalecer as que estejam decididas a lutar pela destruição do capitalismo e do Estado.

c) Impedir a infiltração de todo e qualquer partido político nas organizações económicas sindicais e combater resolutamente qualquer propósito de dominação pelos partidos políticos.

d) Estabelecer, quando as circunstâncias o exijam e sobre um tema concreto que não contradiga as alíneas a), b) e c) precedentes, alianças provisórias com outras organizações proletárias, sindicais e revolucionárias, com o fim de definir e levar a cabo acções internacionais comuns no interesses da classe operária; essas alianças não devem nunca ser estabelecidas com partidos políticos, ou seja, com organizações que aceitam o Estado como sistema de organização social. O sindicalismo revolucionário recusa a colaboração de classe caracterizada pela participação em comités organizados sob esquemas organizativos estatais (por, exemplo, a participação em comités de empresa); recusa igualmente a aceitação de subvenções, a existência de profissionais do sindicalismo e restantes práticas que possam desvirtuar o anarco-sindicalismo.

e) Desmascarar e combater a violência arbitrária de todos os governos contra os revolucionários afectos à causa da Revolução Social.

f) Examinar todos os problemas respeitantes ao proletariado mundial, para fortalecer e desenvolver, num país, ou em vários, os movimentos que vão no sentido da defesa dos direitos da classe operária ou de novas conquistas para esta classe, ou de organização da própria revolução emancipadora.

g) Organizar o apoio-mútuo no caso de grandes lutas económicas ou de lutas duras contra os inimigos, declarados ou encobertos, da classe operária.

h) Ajudar, moral e materialmente, os movimentos da classe operária que sejam dirigidos, em cada país, pela organização económica nacional do proletariado.

A Internacional só intervirá nos assuntos sindicais de um determinado país quando a respectiva secção o peça ou quando esta se esquive ao cumprimento das directivas gerais da Internacional.

V – CONDIÇÕES DE ADESÃO

Podem aderir à A.I.T.:

a) Organizações sindicalistas revolucionárias que não pertençam a nenhuma Internacional.

As secções aderentes deverão ratificar os Estatutos da A.I.T. e enviar os seus próprios estatutos ao Secretariado da A.I.T., que informará as secções sobre a proveniência do contacto ou contactos que conduziram ao pedido de adesão.

b) Minorias de sindicalistas revolucionários organizados no seio de organizações nacionais aderentes a outras internacionais sindicais.

c) Organizações sindicais, profissionais ou industriais, independentes ou integradas em organizações nacionais não filiadas na A.I.T., que aceitem os Estatutos da A.I.T..

d) Organizações de propaganda sindicalista revolucionária que aceitem os Estatutos da A.I.T. e que desenvolvam o seu trabalho num país no qual não haja nenhuma organização filiada na A.I.T..

e) Sendo a A.I.T. composta unicamente por secções, legais ou ilegais, com ligações directas dentro dos respectivos países, grupos exilados só poderão ser reconhecidos como secções da A.I.T. se puderem comprovar inequivocamente, perante o Secretariado da A.I.T., que representam autenticamente organizações que actuam e trabalham no interior dos respectivos países.

Em qualquer caso, só poderá existir uma secção por país.

Os comportamentos seguintes constituem motivo para perda de filiação na A.I.T.:

a) Não aplicação dos Estatutos da A.I.T..

b) Não pagamento de quotizações. Se uma secção não pagar quotizações durante um ano, o congresso deverá decidir sobre a sua perda de filiação.

c) Não participação nas reuniões e congressos da Internacional e ausência de resposta aos pedidos de contacto por parte do secretariado da A.I.T. ou das secções, sem que sejam dadas explicações.

VI – DOS CONGRESSOS INTERNACIONAIS

Os congressos internacionais da A.I.T. celebram-se, se possível, de dois em dois anos.

O Secretariado, com suficiente antecedência, solicita às secções temas ou sugestões para serem debatidos no congresso; compõe, seguidamente, a Ordem de Trabalhos, que, juntamente com as moções que tenham sido apresentadas, enviará a todas as secções da Internacional, seis meses antes do início do congresso.

As decisões e acordos tomados pelos congressos internacionais são vinculativos para todas as organizações aderentes, excepto quando estas através de um congresso nacional ou por referendo, rechacem os acordos do congresso internacional. Por pedido de um mínimo de três organizações nacionais aderentes, um acordo internacional pode ser revisto através de um referendo geral dentro de todas as secções.

Nos congressos e referendos internacionais, cada central aderente tem um voto; porém, as secções devem esforçar-se por alcançar a unanimidade, antes de recorrerem ao método de votação para tomarem uma decisão.

VII – TRANSFERÊNCIA INTERNACIONAL

Cada membro de uma organização filiada na A.I.T., que tenha as suas quotizações em dia, mas que resida em país diferente daquele em que foi feita a sua filiação, deverá, no prazo máximo de um mês após a sua chegada a esse país, efectuar a sua transferência para a organização correspondente da respectiva organização nacional filiada na A.I.T.. Esta transferência será aprovada pela referida organização nacional, sem qualquer pagamento inicial.

Se se tratar de um exílio maciço forçado, a transferência é voluntária no caso de pertença a uma organização exilada reconhecida pela A.I.T..

VIII – O SECRETARIADO

Para coordenar as actividades internacionais da A.I.T., para obter e organizar uma informação exacta sobre a propaganda e a luta em todos os países, para levar a cabo, da melhor maneira, as resoluções dos congressos internacionais e para cuidar de todo o trabalho da A.I.T., é eleito um secretariado, composto por pelo menos três pessoas, residentes na localidade onde a A.I.T. decida fixar a sua sede.

O congresso determinará a localidade onde o Secretariado ficará sediado. Se tal não for possível, esta decisão será tomada através de referendo.

Cada congresso apreciará um informe escrito, apresentado previamente pelo Secretariado, sobre as actividades desenvolvidas por este. Esse informe deverá ser remetido às secções com suficiente antecedência, de modo a que estas tenham conhecimento do mesmo antes da celebração do congresso. Na mesma altura, o Secretariado enviará igualmente um informe administrativo e financeiro. O congresso nomeia uma comissão que, durante o mesmo, fará a revisão das contas apresentadas e o seu controle definitivo.

IX – AS FINANÇAS

Para que a A.I.T. possa desenvolver e fortalecer as suas actividades internacionais e dar uma base sólida à sua propaganda escrita; para que possa editar regularmente as suas publicações periódicas; para que possa participar em todas as manifestações da vida do sindicalismo revolucionário nos diferentes países; para que seja capaz de fortalecer as ideias do sindicalismo revolucionário nos países onde as nossas ideias e tácticas são pouco conhecidas; finalmente, para que a A.I.T. esteja em condições de dar resposta satisfatória e imediata aos apelos de solidariedade que possam ser-lhe dirigidos, cada membro das organizações aderidas à A.I.T. paga, mensalmente, como quotização internacional, a quantia de um dólar US ou equivalente na sua moeda nacional, ao câmbio em vigor em cada país.

Para as secções que se encontrem em situação difícil, a quotização será fixada segundo acordo a estabelecer com o Secretariado da A.I.T..

Cada secção filiada cobra, da forma que entender, a quotização dos seus filiados. Para as secções que o desejem, a A.I.T. dispõe de um selo para colocar no cartão dos filiados. Cada secção envia à A.I.T., trimestralmente, a respectiva quotização.

X – PUBLICAÇÕES

O Secretariado edita:

1) Uma publicação, que deverá sair com a maior frequência possível.

É desejável que as publicações periódicas editadas pelas organizações filiadas na A.I.T. ou que com ela simpatizam reservem, nas suas páginas, um espaço próprio para informações da A.I.T., apelos de solidariedade internacional e propaganda geral.

2) Folhetos de propaganda, destinados, sobretudo, aos países onde não haja uma organização nacional filiada na A.I.T..

3) Quaisquer outras publicações, periódicas ou não, cuja edição seja decidida pelos congressos.

 

AIT – SP

Apartado 50029

1701-001 Lisboa

PORTUGAL

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