anticlericalismo

Anarquismo e Anticlericalismo   "Quanto a nós, sabemos que tão logo a mão de um padre tocou em alguma coisa, essa coisa apodrece e libera um fedor insuportável. A única solução, para que a podridão não assuma proporções perigosas, é a destruição da coisa ( com o padre, é óbvio ). Alguém, um amigo, um camarada, disse : "A religião é o ópio do povo". Sobre todo o globo, o tráfico de ópio assume proporções assustadoras. De Roma a Moscou, e de Nova Iorque a Praga, os traficantes, em batinas ou em uniformes militares, servem-se da mesma dorga para envenenar do mesmo modo o povo e para alcançar o mesmo objetivo, que é a escravização do homem. Não, obrigado. Preferimos o vinho tinto; e não é vinho de missa." Adonis Kyrou – Le Libertaire ( jornal da Federação Anarquista da França) 5 de julho de 1952.

Como não ser anarquista?

I

 

A Sociedade actual é um conjunto de iniquidades. A autoridade do homem sobre o homem e a exploração do indivíduo por outro indivíduo, são as duas iniquidades supremas, os dois maiores crimes lesa-humanidade, as duras iniquidades mães de todas as iniquidades. A autoridade e o direito de posse, são base e fundamento da organização social existente. E a religião, vil alcoviteira do Estado e do Capital, é o ópio maldito que adormece e embrutece o povo, tornando-o manso e resignado com os seus conselhos melífluos, tendentes a afastá-lo das realidades da vida, pondo as suas esperanças num utópico paraíso do outro mundo.

Para qualquer lado que dirijamos a vista, só veremos iniquidade e crime, dor e miséria, lágrimas e morte. E, – contraste horrível! – junto às massas numerosas de indivíduos famélicos, de seres envilecidos pela miséria, de homens, mulheres e crianças anémicas, esfarrapadas, famintas, outros indivíduos, outros seres, outros homens embrutecidos por orgias infames, rebentando da fartura, vestidos de peles e sedas, e carregados de jóias, – o que constitui um grosseiro insulto feito à miséria do proletário, pelos monopolizadores do património universal.

É assim na sociedade presente: para os que trabalham e tudo produzem; para os que descem à mina para arrancar das entranhas da terra, os metais, as pedras preciosas, o carvão…; para os que fabricam ricos tecidos, constróem móveis cómodos, levantam sumptuosos palácios…; para os que lavram a terra, deitam no sulco a semente, apanham os frutos e ceifam, debaixo de um sol de fogo, as doiradas e desabrochantes espigas que hão de, mais tarde regalar o paladar dos que não quiseram nem souberam produzi-lo…; para estes, trabalhadores e produtores e – oh! Sarcasmo! – , escravos; para estes, repito, a vivenda ruim, sem luz nem ventilação, anti-higiénica; a comida escassa e má, insuficiente para refazer as forças gastas no rude e quotidiano trabalho; os vestidos grosseiros, mal feitos, sujos…; o estômago sempre insatisfeito e os membros sempre cansados; a anemia, e a tuberculose apoderando-se do organismo; e, às vezes, a morte por inanição e frio…

E em troca, para os que nada produzem, para os vadios, para os parasitas, a morada sumptuosa, os deliciosos manjares, os vinhos capitosos, as peles, as sedas, as carruagens (*), a literatura, a arte… tudo: luz, ar, flores; comodidades materiais; gozos do corpo e do espírito… (Mas, sobretudo, prazeres corporais, porque a burguesia, na sua grande maioria, movida por um sórdido materialismo, é incapaz de sentir profundamente os prazeres intelectuais). Admirável filosofia a burguesa! Primorosa justiça a que preside à actual sociedade!

E se a filosofia burguesa é admirável pelo seu cinismo, mais admirável ainda, pela sua estupidez, é a do obreiro submisso. O operário farta-se de trabalhar e apenas pode satisfazer as suas mais peremptórias necessidades. Não obstante, resigna-se com o que ele chama a sua sorte em lugar de revoltar-se contra tudo e todos. – Não foram feitas para nós as riquezas, nem as comodidades, nem os gozos do mundo! – pensa estupidamente. E continua vegetando, sem que o espectáculo de tão demasiado luxo e de tantos crimes que ao seu redor ocorrem, infiltre indignação no seu abatido espírito.

E porquê? Por que é que os operários são mansos e pacientes como ovelhas? Porquê esta resignação suicida? Como é que não compreendem que têm direito à vida, que o património universal lhes pertence de direito e que a eles deve pertencer de facto?

Ah!, é porque o trabalhador não sabe nada, não vê nada, não ouve nada, nada compreende. A ignorância atávica, as mentiras que desde criança lhe ensinaram, e os preconceitos arreigados nos cérebros da maioria dos homens: o ambiente mórbido em que vive; o empenho que têm as classes burguesas em que não se instrua; as leis coercitivas da liberdade individual, que impedem que homens de sentimentos nobres propaguem profusamente ideais de redenção; o trabalho extenuante a que é submetido; a falta de alimento e de descanso, e a cobardia moral que tudo isto engendra, faz com que o trabalhador seja incapaz de pensar e de analisar por si próprio, e que julgue que os males de que padece não têm remédio, que a organização social há de ser sempre a mesma, que a autoridade é necessária e que a exploração é lógica, porque sempre haverá pobres e ricos, como dizem que disse o Deus Cristo dos Católicos.

Assim pensa e crê a maioria dos trabalhadores, isso a que se chama povo, massa, vulgo… Mas junto desta maioria de trabalhadores submissos, há uma minoria de trabalhadores rebeldes, de indivíduos libertados de crenças absurdas, de homens que já não são o povo, porque ao libertarem-se de todos os dogmas, passaram a ser individualidades conscientes. E esta minoria de trabalhadores é numerosa e forte, e mais poderosa, portanto, que a maioria, a qual arrastará atrás de si, inevitavelmente, no dia da revolução, se não conseguir convencê-la o que não é sensato supor. Estes trabalhadores rebeldes, estes homens conscientes, descendentes dignos do mitológico Satan e de Epartaco, ao conhecerem o sofrimento, quiseram a sua total supressão, estudaram as causas da dor universal e souberam encontrar-lhe o remédio.

Provou-se, com argumentação incontestável, que todas as religiões são falsas; que a terra e tudo o que nela se produz, é património comum de todos os homens; que a propriedade é um roubo, e o direito de herança, causa o engrandecimento da propriedade individual, um verdadeiro crime; que a autoridade é inútil para o bem e fomentadora do mal, e que a sua única missão é manter os privilégios dos usurpadores de toda a riqueza social; que esses limites que marcam fronteiras, dividindo a terra em parcelas chamadas nações, e que são causa do ódio entre os habitantes de um e outro território, devem desaparecer, assim como os exércitos criados e mantidos não só para a guerra, mas também para fazer calar as vozes dos escravos quando, fartos de sofrer, pedem um pouco de liberdade, de igualdade ou de justiça. Ao fazer a crítica da sociedade, puseram-se em evidência os horrores que a actual organização engendra.

Viu-se que a autoridade, o capital e a religião são a causa de todos os males.

Provou-se que, dentro da organização social existente, não pode resolver-se o problema chamado «questão social», sejam os governos monárquicos, republicanos ou socialistas, porque todas as cataplasmas preconizadas pelos sociólogos «beras» para resolvê-lo, são inúteis. Enquanto subsistir a autoridade, as leis, o poder representativo, o executivo, judicial e repressivo, coarctando a liberdade individual, a livre iniciativa, o progresso; enquanto, pelo maldito direito de posse, se presumir feito pelo proprietário tudo o que em «seus domínios» se produza; e o capital, trabalho usurpado e não acumulado legitimamente, como dizem os seus panegiristas, não for abolido; e as religiões não desaparecerem da terra, deixando livres as consciências para que os indivíduos possam pensar e analisar por si próprios e obrar conscientemente…, a questão social continuará de pé.

É, pois, o Estado, o Capital e a religião que se tem de suprimir para que a questão social fique resolvida totalmente. Julgam porventura que é só uma questão de estômago? Não. A questão social não é só uma questão económica; é também uma questão de moral e de liberdade. Por isso, todas as fórmulas imaginadas para resolver esta questão dentro da organização social presente, são nulas. Portanto, é necessário fazer a Revolução Social, e, sobre as ruínas desta decrépita sociedade, organizar, racional e cientificamente, a nova sociedade, a sociedade livre e igualitária, a sociedade do comunismo libertário.

II

Numa sociedade livre e bem organizada, tudo será paz, amor, alegria… Despidos os homens de preocupações; desobstruídos os cérebros de atávicos e ridículos preconceitos; desaparecidos os ódios mesquinhos e os baixos egoísmos; tendo a instrução e a educação levantado o espírito humano a um nível moral e intelectual não atingido em nossos dias; tendo cada um plena consciência de seus direitos e deveres, e sendo todos iguais economicamente e livres absolutamente…, já não há crimes, já não há injustiças, já não há mesquinhas e cruentas lutas pela conquista do pão, porque o pão está garantido a todos.

A Justiça preside à sociedade acrata. Os homens, sentindo-se felizes, amam os homens. O ódio desaparece da Terra. Não há força capaz de quebrar a harmonia que entre os humanos reina. A liberdade e a igualdade são património do Homem. A realidade e a vida não são deformadas em moldes construídos de teorias e de abstracções absurdas e limitativas. Já não há quem ponha diques ao progresso. Desfeitas as peias que a uniam ao jugo da ignorância e da mentira, a Humanidade caminhará a passos gigantescos para a perfeição. E a Solidariedade, a humana e sublime Solidariedade, manifesta-se em todo o seu esplendor.

Não há, numa sociedade livre, privilegiados nem deserdados, nem exploradores nem explorados, tiranos nem escravos. Nela não se vêem nem miseráveis mendigos, nem desgraçadas prostitutas, nem abjectos polícias. Nada de ruim e miserável nela existe.

Suprimiu-se o Estado, com as suas leis absurdas, seus legisladores, seus juizes, suas repartições abarrotadas de vadios e de seus milhares de odiosos instrumentos; o Capital, causa de tanta miséria, de tantos males e tantos crimes; e a Religião, com as suas igrejas cheias de parasitas, seus estúpidos ídolos e suas cerimónias irrisórias.

E abolindo e Estado, o Capital e a Religião, desapareceram também os odiosos, anti-higiénicos e desumanos antros de exploração e miséria; quartéis e hospitais, presídios e cárceres.

O progresso da indústria e da mecânica, alcançou já tal grau de perfeição que só com o que se produz na sociedade capitalista, poder-se-ia muito bem satisfazer completamente as necessidades de todos. Ora bem: se na sociedade capitalista, onde a produção é limitada, porque assim convém aos interesses criados de uns quantos, há produtos suficientes para todos – e isto está provado estatisticamente – com a diferença que, estúpida e criminosamente, se deixa que os produtos se estraguem, calcule-se que superabundância não haverá na sociedade comunista livre, quando o trabalho, livre de empecilhos políticos, religiosos e sociais, emancipado do capital, seja praticado voluntariamente por todos os homens.

Estou já ouvindo exclamar: «Mas se o trabalho é voluntário, ninguém quererá trabalhar!» Que pobres de espírito são os que assim pensam!… – Como! – exclamo eu – Que ninguém quererá trabalhar?… Que loucura!… Acaso não está provado que o trabalho é uma necessidade fisiológica? Acaso não está na consciência de todos que se o homem não fosse produtor não poderia subsistir? Acaso não é pelo trabalho que se enobrece e se dignifica o homem? Acaso não é o trabalho uma lei da natureza, um alto conceito moral, a verdadeira virtude?… É insensato supor que o homem possa entregar-se à ociosidade, uma vez libertado o trabalho do jugo capitalista.

Precisamente o que hoje torna odioso o trabalho, é esse maldito jugo e não o próprio trabalho, pois trabalhar é ser tiranizado e explorado, é ter que suportar a presença do estúpido burguês, e, além disso, porque sabemos que depois de uma jornada de nove, dez ou doze horas de um trabalho aniquilante, não teremos ganho o suficiente para satisfazer as nossas peremptórias necessidades. Eu, que sou operário, que sou explorado, sei por experiência que não trabalhar é aborrecer-se. E aos meus companheiros de exploração, ainda aos mais refractários ao trabalho, tenho ouvido sempre as mesmas lamentações quando têm estado sem ocupação: «sem trabalhar sou homem morto». «Aborreço-me, não sei o que hei de fazer, nem para onde ir». «Isto é insuportável; parece impossível que haja quem possa viver sem trabalhar». E ao falarem assim, não têm em conta o jornal que o seu trabalho lhes poderia proporcionar, mas apenas o aborrecimento que os faz sofrer.

Não há, pois, a recear que o homem seja preguiçoso quando for livre. Não receemos tão pouco que os produtos escasseiem. Seja o trabalho livre e a produção será muito superior ao consumo, por excessivo que este seja e por muito escassa que seja aquela. E mais sensato é supor que na sociedade libertária se tenha que gritar: «façam o favor de não produzirem tanto, companheiros, que já não há lugar onde arrecadar os produtos» e não que seja necessário estimulá-los ao trabalho.

Por isso, nós, os anarquistas, queremos: «Que o homem seja livre, na sociedade livre e que nela cada indivíduo produza segundo seja a sua vontade e à sua vontade consuma».

Porque quando os homens estiverem associados livremente; quando a produção estiver organizada sobre bases racionais e científicas; quando as máquinas e todos os instrumentos de trabalho pertencerem ao acervo comum da colectividade; quando toda a terra se tornar produtiva, o que hoje não sucede porque assim convém ao usurpadores do património universal; quando desaparecerem os mil e um empregos necessários hoje para facilitar as transacções comerciais e para satisfazer a vaidade burguesa, mas desnecessários numa sociedade justa, livre e igualitária; quando, por ser a riqueza social propriedade comum de todos e não património de uns poucos, as máquinas estiverem multiplicadas até ao número que for necessário; e quando, finalmente, os homens compreenderem que o interesse de um é o interesse de todos, que do bem-estar da colectividade depende o bem-estar do indivíduo, o trabalho não será penosa imposição, sinal de escravidão, brutal e aniquilante, senão que, além de ficar reduzida à sua expressão mais simples, será agradável entretenimento, higiénico desporto.

O que fica exposto basta para que todos compreendam que não há motivos para recear a falta de produtos numa sociedade onde a produção e o consumo sejam voluntários.

E estando a produção assegurada, que mais há a temer?

Nada absolutamente, pois possuindo todos o necessário, não haverá invejas, egoísmos nem crimes, porque o dinheiro, único deus da burguesia, única coisa que na actual sociedade pode redimir da escravidão material, terá desaparecido na sociedade livre, e sabido é que, directa ou indirectamente, o dinheiro é causa de todos os crimes, de todas as invejas, de todos os egoísmos.

Mas há mais ainda: a questão do amor, resolvida pelo amor livre.

E o amor livre é – dito de uma forma concisa, pois não há espaço nem aqui é lugar para dar uma extensa definição, – o verdadeiro matrimónio, ou seja, que quando um homem e uma mulher se amem, unir-se-ão livre e voluntariamente, sem que ninguém tenha direito de ordenar o contrário e sem necessidade de comunicá-lo a um padre ou a um juiz, pois estes nada têm que ver com semelhante acto nem aos amantes faz falta a permissão do juiz ou do padre para darem expansão aos seus sentimentos amorosos. (E tenha-se em conta que isto do padre e do juiz, o digo para melhor compreensão e para a prática desta formosa e moral teoria na presente sociedade, pois na sociedade anarquista não haverá, claro está, semelhantes personagens).

E para terminar este capítulo, pois já o espaço vai faltando e é ainda imprescindível fazer outro, direi que a Anarquia é o ideal mais belo e humanitário que o pensamento do homem tem concebido; que as suas teorias são científicas, naturais e racionais, que não é um ideal abstracto, um sonho generoso mas irrealizável, mas sim um ideal concreto, de imediata realização, de implantação fácil e simples, porque não é necessário para isso que os homens sejam anjos – como dizem aqueles que nos taxam de utopistas, e os utopistas, afinal são eles! – pois basta que os homens sejam tal como são, pois assim mesmo os queremos, com todos os seus defeitos e paixões.

III

Quão grande e formosa é a Anarquia!
Que imenso mundo de belezas ela encerra em seu seio!…
Como não amá-la?…
Oh, ignorância!
Oh, estupidez dos homens!…
Como é possível haver quem conheça a Anarquia e não a ame?…
E, todavia os há!…
Alguns ruins miseráveis, seres egoístas, indivíduos sem
dignidade… tais são os que podem conhecer a Anarquia sem a
amar!…

Quando, nas asas da fantasia, voamos à sociedade futura, e com um esforço de vontade e inteligência, nos colocamos no lugar que então ocupará o homem; quando, pelos mesmos processos, poisamos sobre a terra e vemos tantos crimes, injustiças, horrores, como há na sociedade presente; quando comparamos os homens de hoje, ignorantes, estúpidos, egoístas, miseráveis com os homens de amanhã, ilustrados, robustos, generosos, oh! quanto ódio sentimos pela sociedade presente e quanto desprezo nos inspiram os homens de hoje, ao comparar o que é com o que deve ser, com o que pode ser, com o que será, pese a todos os escribas e fariseus que no mundo existem.

Não ser anarquista, por não saber o que é a Anarquia, é ser ignorante; por ser incapaz de compreendê-la, é ser imbecil; e conhecê-la e compreendê-la, e, não obstante, defender a presente sociedade porque assim se vai vivendo, é ser canalha.

E não se diga que somos sectários. Até os mais ardentes defensores da sociedade capitalista, reconhecem que esta é má, e boa a anárquica. Portanto, cabe perguntar: – Se reconheceis que a presente sociedade é má e que a sociedade anarquista é boa, porque não sois anarquistas? A esta pergunta respondem com uma capciosidade: – Porque a Anarquia perfeita é irrealizável. Mas isto não é um argumento em contra, é, pelo contrário, em pró. 

Com efeito, ao reconhecerdes que a sociedade de hoje é má e boa a de amanhã, reconheceis que somos superiores aos outros homens e confessais a vossa perversidade? Ah! Conheceis o bem e o mal e, não obstante não quereis o bem? Pois nisso está a vossa condenação.

Podeis desmascarar-vos.

Podeis abandonar a hipocrisia.

Não digais que a Anarquia perfeita é irrealizável. Dizei que não quereis o bem estar da humanidade.

Sede francos.

Por isso, eu pergunto: Como não ser Anarquista?

Como não sê-lo, se a sociedade presente é má e nela tudo é iniquidade e crime, dor e miséria, lágrimas e morte?

Como não sê-lo, se a sociedade anarquista é boa e nela tudo é paz, amor, alegria…?

Que cada um faça o seu exame de consciência e responda.

Eu, já fiz o meu.

E à frase interrogativa:

COMO NÃO SER ANARQUISTA?

Respondo com a frase exclamativa:

COMO NÃO SER ANARQUISTA!

Definição de Anarquia

Definição de anarquia

Anarquia é uma palavra grega que significa literalmente "sem governo", isto é, o estado de um povo sem uma autoridade constituída.
Antes que tal organização começasse a ser cogitada e desejada por toda uma classe de pensadores, ou se tornasse a meta de um movimento, que hoje é um dos factores mais importantes do actual conflito social, a palavra "anarquia" foi usada universalmente para designar desordem e confusão. Ainda hoje, é adoptada nesse sentido pelos ignorantes e pelos adversários interessados em distorcer a verdade.
Não vamos entrar em discussões filológicas, porque a questão é histórica e não filológica. A interpretação usual da palavra não exprime o verdadeiro significado etimológico, mas deriva dele. Tal interpretação se deve ao preconceito de que o governo é uma necessidade na organização da vida social.
O homem, como todos os seres vivos, adapta-se às condições em que vive, e transmite através de herança cultural, seus hábitos adquiridos. Portanto, por nascer e viver na escravidão, por ser descendente de escravos, quando começou a pensar, o homem acreditava que a escravidão era uma condição essencial à vida. A liberdade parecia impossível. Assim também o trabalhador foi forçado, por séculos, a depender da boa vontade do patrão para trabalhar, isto é, para obter pão. Acostumou-se a ter sua própria vida à disposição daqueles que possuíssem a terra e o capital. Passou a acreditar que seu senhor era aquele que lhe dava pão, e perguntava ingenuamente como viveria se não tivesse um patrão.
Da mesma forma, um homem cujos membros foram atados desde o nascimento, mas que mesmo assim aprendeu a mancar, atribui a essas ataduras sua habilidade para se mover. Na verdade, elas diminuem e paralisam a energia muscular de seus membros.
Se acrescentarmos ao efeito natural do hábito a educação dada pelo seu patrão, pelo padre, pelo professor, que ensinam que o patrão e o governo são necessários; se acrescentarmos o juiz e o policia para pressionar aqueles que pensam de outra forma, e tentam difundir suas opiniões, entenderemos como o preconceito da utilidade e da necessidade do patrão e do governo são estabelecidos. Suponho que um médico apresente uma teoria completa, com mil ilustrações inventadas, para persuadir o homem com membros atados, que se libertar suas pernas não poderá caminhar, ou mesmo viver. O homem defenderia suas ataduras furiosamente e consideraria todos que tentassem tirá-las inimigo.
Portanto, se considerarmos que o governo é necessário e que sem o governo haveria desordem e confusão, é natural e lógico, que a anarquia, que significa ausência de governo, também signifique ausência de ordem.
Existem factos paralelos na história da palavra. Em épocas e países onde se considerava o governo de um homem (monarquia) necessário, a palavra "república" (governo de muitos) era usada exactamente como "anarquia", implicando desordem e confusão. Traços deste significado ainda são encontrados na linguagem popular de quase todos os países. Quando essa opinião mudar, e o público estiver convencido de que o governo é desnecessário e extremamente prejudicial, a palavra "anarquia", justamente por significar "sem governo" será o mesmo que dizer "ordem natural, harmonia de necessidades e interesses de todos, liberdade total com solidariedade total".
Portanto, estão errados aqueles que dizem que os anarquistas escolheram mal o nome, por ser esse mal compreendido pelas massas e levar a uma falsa interpretação. O erro vem disso e não da palavra. A dificuldade que os anarquistas encontram para difundir suas ideias não depende do nome que deram a si mesmos. Depende do facto de que suas concepções se chocam com os preconceitos que as pessoas têm sobre as funções do governo, ou o "Estado" com é chamado.

-Errico Malatesta in anarquia, 1907.

Defende a tua liberdade

Não à alienação. Não às várias drogas

JOVEM: O prazer que se pode obter, inicialmente; com o consumo de drogas (heroína, cocaína, etc.), não compensa. Aliás, é o prazer que as drogas propiciam aos seus consumidores, no começo do consumo, que constitui a armadilha, o engodo. Se bem que no início, gozem e brinquem com a droga, os seus consumidores acabam inelutavelmente por se tornar ESCRAVOS dela. Além das graves doenças e dos horríveis sofrimentos, físicos e psíquicos, que origina, a droga transforma indivíduos humanos em seres totalmente desprovidos de vontade própria, de auto-estima e de respeito por si próprios. Constituindo uma vacina contra a natural rebeldia humana, a droga despersonaliza, por completo, os seus consumidores.

 É patente que os toxicodependentes se assemelham muito uns aos outros. Até parecem fotocópias uns dos outros. Tem-se falado muito, ultimamente, nos perigos da "clonagem", omitindo-se que o teatro inerente ao actual consumismo mercantil, um consumismo de ilusões e de imagens falsificadas da realidade, está a transformar a humanidade num autêntico REBANHO. Já tínhamos o gado patriótico-militar e o gado eleitoral. Agora, temos também o GADO MERCANTIL. Sendo o efeito, os toxicodependentes constituem a parte visível da miséria humana inerente à droga, isto é, a parte de uma execrável realidade social que os veiculadores das mentiras políticas e mercantis não conseguem encobrir. É isto que explica o fato de os toxicodependentes constituírem o alvo preferido dos comportamentos irracionais anti-droga, alguns dos quais, de multidões comandadas por políticos de campanário, que, embora vociferem contra a droga e os drogados, não se mostram esquisitos no que se refere à origem dos "cacaus" dos patrocinadores das suas campanhas eleitorais. É claro que os toxicodependentes, os "calhaus com olhos" na boca de certos espertalhaços que vendem droga, desempenham o papel de bodes expiatórios do crime organizado, isto é, do crime fomentado e protagonizado pelas forças capitalistas dominantes, que neste domínio da sua actividade mercantil, como noutros, contam, como toda a gente sabe, com bons apoios no seio do Estado dito de Direito. O "mundo da droga" é, sob todos os seus aspectos, uma realidade social ABOMINÁVEL E NOJENTA. A sua existência exprime bem o estado de DECADÊNCIA, de PODRIDÃO, a que chegou a sociedade humana, sob o domínio do Estado e do capitalismo. JOVEM: Não é a "vida" de droga que constitui a alternativa à droga de vida atual. Como a procura dos paraísos celestes, prometidos pelas religiões, a "vida" de droga é uma FUGA ILUSÓRIA desta sociedade de ILUSÕES. Não existem paraísos celestes nem terrestres. A verdadeira VIDA é uma luta incessante, uma REBELDIA PERMANENTE. Aliás, é a REBELDIA HUMANA contra o curso natural das coisas que constitui a essência da cultura. Alternativa à droga de vida actual, uma "vida" de misérias várias, uma "vida" sem grandeza, desprovida de valores e sentimentos elevados, uma "vida" sem intensidade nem variedade, monótona, de tédio, só pode ser um combate por um IDEAL de dignificação e de engrandecimento da pessoa humana, um IDEAL baseado nas qualidades humanas das quais os próprios seres humanos se despojaram, atribuindo-as aos deuses, celestes e terrestres. Alternativa à merda de vida actual, uma "vida" em que os mentirosos de "cima" acreditam nas mentiras que veiculam e em que os enganados de "baixo" procuram, por meio do consumismo mercantil, imitar os comportamentos teatrais das várias vedetes sociais, em que uns e outros abdicam, por conseguinte, da sua individualidade, só pode ser uma luta social que tenha como base e motivação o indivíduo humano, considerado não como uma abstração, mas sim como um ser único e multidimencional, como ser inconfundível e dotado de uma dimensão ético-social. Alternativa à droga de vida actual, só pode ser uma luta que vise substituir a sociedade podre por um NOVO MEIO SOCIAL, uma REVOLUÇÃO SOCIAL que, suprimindo o Estado e o capitalismo, crie as condições sociais que permitam que cada ser humano concreto seja, de fato, LIVRE, isto é, um ser auto-activo, auto-criativo e dotado de uma vontade própria. Só o pensamento anarquista, que não se baseia em conceitos colectivos, aponta o caminho da LIBERDADE INDIVIDUAL, a base e a essência de uma VERDADEIRA VIDA.

 NÃO À ALIENAÇÃO! NÃO ÀS VÁRIAS DROGAS! VIVA A LIBERDADE! VIVA A ANARQUIA!

 

Federação Anarquista Ibérica

 

 

Neste domínio, como nos restantes, os anarquistas consideram a liberdade individual insubstituível, não a liberdade absoluta ou abstracta, defendida por teólogos e quejandos, mas sim a liberdade de indivíduos que têm direitos e deveres sociais. Para os anarquistas, a liberdade de um ser humano concreto não é um limite, mas uma condição da liberdade dos demais. Actos que ponham em causa a liberdade de uma só pessoa que seja, por exemplo, acções que destruam a vontade própria de um ser humano, ou impeçam a sua formação, não correspondem ao conceito de liberdade dos anarquistas.
A liberdade pela qual lutam os anarquistas, não é concerteza a chamada liberdade de mercado, a "liberdade" mercantil, pois, contrariamente ao que afirmam os apologistas da economia capitalista – os economistas, é a oferta que determina a procura. Se assim não fosse, o consumismo mercantil não seria aquilo que, essencialmente, é: um consumo de falsas imagens da realidade, algo inerente ao teatro social existente e, consequentemente, um meio de constituição de rebanhos humanos.
Quer a plateia, quer o palco, do actual teatro político-mercantil, são autênticos cárceres da individualidade de cada ser humano. Os consumos de drogas, inclusive o da droga "cultural", não passam de fugas ilusórias, teatrais, de uma sociedade baseada em mentiras. A liberdade é incompatível com uma sociedade baseada no Poder, a mentira social na qual as restantes possuem as suas raízes, a pior droga, que, como as outras, escraviza os seus consumidores (o Poder conquista, inclusive, os seus conquistadores). A liberdade é indissociável da construção da Nova Sociedade.
Para viver de facto, a juventude não necessita de drogas (os vários "sucedâneos", ditos culturais, do prazer sexual; o futebol, as mercadorias audiovisuais, as lutas eleitorais, as missas modernas, as catequeses ditas contestatárias, os espaços mediáticos ditos alternativos, a heroina ,a cocaína, etc.). Todos os consumos de drogas, particularmente, aqueles que, devido ao seu carácter ilegal, assumem a forma de uma aparente manifestação de revolta, constituem uma vacina contra a natural rebeldia humana, contra a plena afirmação da individualidade, contra a liberdade individual. Não é de drogas que a juventude necessita, mas sim de um ideal de dignificação e de engrandecimento da pessoa humana. Necessita de um combate que tenha como fim a criação das condições sociais da liberdade humana, sem a qual não há verdadeira vida, mas sim a droga de vida e a "vida" de droga que se conhece.

O mendigo e o ladrão

O Mendigo e o Ladrão
(Ricardo Flores Magón – Regeneración, 216 – 11/12/1915)

 

Ao largo da alegre avenida vão e vem os transeuntes, homens e mulheres, perfumados, elegantes, insultantes. Junto a um muro está o mendigo, a mão pedinte adiantada, nos lábios trémulos a súplica servil.
    – Uma esmola, pelo amor de Deus!
    De vez em quando cai uma moeda na mão do pedinte, que este mete rapidamente no bolso emitindo louvores e reconhecimentos degradantes. O ladrão passa, e não pode evitar o olhar de desprezo sobre o mendigo. O pedinte se indigna, porque também a indignidade tem rubores, e refuta irritado:
    – Não tem vergonha, vadio, de se ver frente a frente com um homem honrado como eu? Eu respeito a lei: não cometo crime de meter a mão no bolso alheio. Meus passos são firmes, como os de um bom cidadão que não tem o costume de caminhar nas pontas dos pés, no silêncio da noite, por habitações alheias. Posso apresentar o rosto em todas as partes; não recuso o olhar de um policial; o rico me vê com benevolência e, ao largar uma moeda em meu chapéu, bate em meu ombro dizendo-me, "bom homem!".
    O ladrão abaixa a aba do chapéu até o nariz, faz um gesto de nojo, observa em seu redor, e replica o mendigo:
    – Não espere que eu me envergonhe em frente a ti vil mendigo! Honrado tu? A honra não vive de joelhos esperando arrastar o osso que haveria de roer. A honradez é altiva por excelência. Não sei se sou honrado ou não; mas te confesso que tenho vergonha na cara para suplicar ao rico que me dê, pelo amor de Deus, uma migalha da qual me despojou. Violei a lei? Isto é certo; mas a lei é coisa muito distinta de justiça. Violo a lei escrita pelo burguês, e essa violação contém em si um ato de justiça, porque a lei autoriza o roubo do rico em prejuízo do pobre; isto é uma injustiça; e quando arrebato ao rico parte do que roubou dos pobres, executo um ato de justiça. O rico te bate o ombro porque teu servilismo, tua baixeza abjecta, a ele garantirá o desfrute tranquilo daquilo do que a ti, a mim, e a todos os pobres do mundo nos tem roubado. O ideal do rico é que todos os pobres tenham alma de mendigo. Se fosses homem, morderias a mão do rico que te lança restos do pão. Eu te desprezo!
    O ladrão cospe e se perde na multidão. O mendigo alça os olhos ao céu e geme:
    – Uma esmolinha, pelo amor de Deus!!