Solidariedade com Christiania

Solidariedade com Christiania

 Anarquia não é utopia

No coração gelado do capitalismo europeu, em Copenhaga, Dinamarca, uma comunidade inteira vive a outro compasso. Cristiania não tem presidentes, eleições, nem governos. A lenda da cidade-livre da Dinamarca é real: inspirada no Anarquismo, resiste há mais de 30 anos, convivendo com os problemas da vida comunitária. Limpeza de ruas, rede de esgoto, manutenção dos serviços básicos, tudo é decidido e feito a partir de reuniões entre os moradores da cidade.

Christiania começou a sua história em 1971, a partir das ideias de um jornal anarquista publicado por Jacob Ludvigsen, o Head Magazine, que um grupo de pessoas, de idades e classes sociais diferentes, decidiu ocupar uma área militar desactivada nos subúrbios de Copenhaga. Foi o início de uma luta incansável contra o Estado. A polícia tentou expulsar os invasores da área por várias vezes, mas sem sucesso, tornando-se assim um problema um problema político. A situação foi discutida no parlamento dinamarquês e a primeira vitória apareceu com o reconhecimento da cidade-livre como uma "experiência social", em troca do pagamento das contas de luz e água, até então a cargo dos militares, proprietários da área. O Parlamento decidiu que a experiência de Christiania continuaria até a conclusão de um concurso público destinado a encontrar uso para a área ocupada.

Em 73 houve troca de governo na Dinamarca e a situação radicalizou-se: o plano era expulsar todos e fechar o local. O governo decretou que a área seria esvaziada até ao dia 1 de abril de 1976. Na última hora, o Parlamento decidiu adiar o fecho, pois, a população tinha-se mobilizado para o confronto com o Estado. O dia 1 de abril tornou-se assim o dia de uma grande manifestação na Dinamarca. Ao longo dos anos, a cidade-livre aprimorou sua autogestão: casa comunitária de banho, creche e jardim de infância, colecta e reciclagem de lixo; equipas de ferreiros para fazer aquecedores a lenha de barris velhos, lojas e fábricas comunitárias de bicicletas.

A década de 80 foi marcada pelo flagelo das drogas. Em 82, o governo começou uma campanha difamatória, considerou a cidade-livre o centro das drogas do Norte da Europa, e a raiz de todos males. A comunidade teve então que combater as difamações do Estado enquanto organizava programas de recuperação de drogados e expulsava os comerciantes de drogas pesadas. O governo nunca deixou a cidade em paz, vários planos foram elaborados visando a "normalização e legalização" da área.

Contudo os moradores, fazem questão de ser uma pedra no sapato do capitalismo. Não se contentam apenas em incomodar os valores tradicionais da sociedade com a vida que levam. Também desenvolvem várias actividades com o objectivo de confortar o sistema capitalista e divulgar as ideias anarquistas.

Durante os primeiros anos, a cidade tornou-se conhecida pelas suas acções no teatro e na política. E quem conseguiu maior sucesso foi o grupo Solvognen. Uma de suas acções directas mais famosas foi em 1973, quando a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte), realizou um encontro em Copenhaga. Inspirados no programa de rádio "Guerra dos Mundos" de Orson Welles, centenas de pessoas, orientadas pelo grupo de teatro, fizeram parecer que o exército da NATO tinha ocupado a Rádio Dinamarca e outros pontos estratégicos da cidade. A impressão que se tinha era que a Dinamarca estava ocupada por forças estrangeiras. Durante várias horas, o país inteiro ficou na dúvida se a invasão era teatro ou realidade.

O Solvognen também usou a criatividade para contestar o comércio da maior festa do cristianismo. Em 1974, o grupo organizou o primeiro Natal dos Pobres. Milhares de presentes foram distribuídos por um batalhão de Pais Natal. Detalhe: os presentes eram artigos roubados das lojas de Copenhaga. Resultado: foram todos presos, mas o escândalo ganhou as capas dos principais jornais europeus, com fotos de dezenas de Pais Natal a serem presos pela polícia. Hoje o Natal dos Pobres continua a ser organizado e todos os anos aproximadamente 2 mil pessoas recebem uma grande ceia em Christiania.

Em janeiro de 92, um acordo foi assinado. Christiania já tinha mais de vinte anos de independência e provara ao mundo que é possível viver em liberdade. Apesar do acordo, o governo ainda tenta controlar a cidade-livre. A resposta veio com o lançamento do Plano Verde, onde os moradores de Christiania expressam a sua visão de futuro e quais os rumos a tomar. 

Vivendo sem a necessidade de leis que controlem a organização social, cada morador da cidade tem que fazer a sua parte enquanto cidadão e confiar que todos farão o mesmo. É uma nova ética de convivência, baseada na honestidade e na solidariedade.

A existência da cidade sempre esteve associada a rebelião contra a ordem estabelecida. Experimentando novos meios de associação e formas de autogestão da administração pública. Christiania organiza-se em vários conselhos, onde todos os moradores têm direito a opinar e discutir os problemas comunitários. As decisões não são feitas por votação, mas sim através do consenso. Isso significa que não é a maioria que decide e sim que todos tem que estar de acordo com as decisões tomadas nas reuniões. Às vezes, contam-se os votos somente para se ter uma ideia mais clara das opiniões, mas essas votações não tem nenhum significado deliberativo. Christiania é dividida em 12 áreas, cada uma administrada pelos seus moradores, para facilitar o funcionamento dos serviços básicos.

Mas para os habitantes da cidade-livre, o consenso só é impossível quando existe autoritarismo, quando alguém tenta impor uma opinião sem dar abertura para que outras ideias apareçam e até prevaleçam como melhor solução. A experiência tem ensinado aos moradores que cada reunião deve discutir só um assunto, principalmente na Reunião Comum, que decide sobre os problemas mais importantes da comunidade. E, contrariando o pessimismo dos que não conseguem imaginar uma vida sem um governo constituído, a utopia funciona: a vida comunitária preserva a liberdade individual e constrói uma eficiente dinâmica de relacionamento social, livre do autoritarismo e da submissão.

Existem de facto algumas proibições: Os carros não podem entrar algo que desagrada profundamente às autoridades que retiram repetidamente grandes pedras que bloqueiam a as duas principais entradas da cidade, e que os residentes voltam a colocar; a policia argumenta que é para os bombeiros poderem passar em caso de necessidade, mas, os habitantes suspeitam que a entrada seria rapidamente usada pela policia. Também não se pode roubar, ter armas de fogo, coletes à prova de bala nem drogas duras. O comercio de cannabis era feito livremente na Pusher street, embora seja um assunto controverso, só será proibido por consenso; aqui era proibido fotografar ou filmar os stands onde era feita a venda, actualmente, a venda de cannabis é um assunto pessoal e os habitantes demoliram os stands, não sem antes o Museu Nacional da Dinamarca ter ido buscar um dos mais coloridos, que faz parte neste momento do seu espólio.

Apesar de tudo o futuro de Chirtiania não é fácil. Primeiro, o governo garante que não permitirá o consumo de cannabis e quer que a lei seja cumprida, segundo quer que os edifícios sejam registados, que se pague renda e que paguem os respectivos impostos de propriedade, em terceiro lugar o governo que a demolição de cabanas ilegais que foram construídas numa área natural protegida (o forte naval de Copenhaga) embora o governo tenha dado o direito a outros Dinamarqueses a fixar residência na área..

Em Setembro, a policia invadiu uma parte da cidade e selou o Fredens Eng, que é uma parte em que as pessoas vivem em caravanas, foi uma das maiores prisões em massa feita na Dinamarca,  com mais de 100 arrestos, a maior parte por desobediência às ordens da policia, mas também há acusações de violência contra a policia. A nova lei diz que os caravanistas têm que sair, para o desenvolvimento tomar lugar. As pessoas de Christiania resistiram a estas leis durante anos; eles querem manter a autonomia e nós temos que prestar a nossa solidariedade.

Divulga.

Assina: http://www.christiania.org/~befri/spansk.htm